O Desencantamento
O princípio da
análise na Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer
relacionam a conclusão de Weber com o mundo pós-guerra: o mundo racional-burocrático
passa por um processo de desencantamento. O que isso significa? Para
tentar localizar este desencantamento, eles percorrem um caminho histórico
desde as sociedades indígenas, para indicar que a separação cultura X natureza
é o ingrediente básico e essencial para o nascimento da divisão do trabalho
como conhecemos e para o nascimento da dominação.
A natureza é o
instável, é aquilo que não se conhece, mas é aquilo que se tenta sempre
conhecer. O medo propulsiona o sujeito para o conhecimento e o faz interpretar
a natureza de forma que ele mesmo é parte da interpretação. Aí nasce o mito. O
mito é uma reflexão sobre a natureza: é uma maneira de indicar um nascimento,
de explicar o presente e de evocar um futuro não tão distante. No mito, tudo
acontece com um objetivo claro e tudo tem significado, mas além disso, tudo tem
relação direta com a sociedade em que o mito foi criado. Não existem mitos
“distanciados” da realidade vivida, vistos de maneira “neutra” e “afastada”.
O irracionalismo
dos mitos foi deixado para trás desde Platão e a tentativa de pensar o mundo
como objeto, ou seja, pensar o mundo sem se identificar com ele, se iniciou. O
nascimento da filosofia se dá sobre uma tentativa de se afastar da mitologia,
mas ainda antes disso, um outro acontecimento foi decisivo para a mudança das
formas de dominação. Se antes a dominação era diretamente ligada ao trabalho, à
modificação da natureza (se dominava a natureza), depois do nascimento da noção
de propriedade privada autorizada, com a fixação das tribos em terras estáveis
de cultivo (deixando o nomadismo no passado), a dominação se separou do
trabalho.
Os que não trabalhavam poderiam ser dominadores, pois poderiam
exercer poder tendo propriedade dos meios de produção. Para os autores, os
próprios mitos já mostravam a formação da divisão do trabalho, como quando
Ulisses, para passar pelas sereias (na Ilíada), coloca cera nos ouvidos de
todos os marujos remadores, com objetivo de que consigam trabalhar a pleno
vapor, enquanto ele próprio é amarrado ao barco, para conseguir escutar o
canto das sereias. Eis aí uma divisão do “empregador” e do “empregado”.
Quando, a partir do saber filosófico desenvolvido na Grécia, o
homem passa a não mais se identificar com o mundo, mas se posicionar em
oposição a ele, o caminho para a dominação irrefreável está aberto. Entretanto,
a radicalização que o iluminismo trouxe para o pensamento humano, obrigando a
aplicação do método científico e impossibilitando que qualquer outro discurso
tivesse validade para enfrentá-lo, acabou completamente com o caráter
imaginário das interpretações do mundo.
O desencantamento é produto da primazia da técnica. O método
científico é pura técnica e cálculo. O controle da natureza foi elevado ao
máximo e as incertezas que o mito produzia são eliminadas pela interpretação
pretensamente objetivas do método científico. É assim que o projeto da
modernidade pode ser definido como o desencantamento do mundo e o conhecimento
se torna cada vez mais uma fonte de poder.